A mais recente campanha de luta contra a droga do Governo francês foi criticada por numerosas organizações de saúde e de defesa dos direitos humanos, que a consideram não só ineficaz mas também contraproducente.
Lançada em 6 de fevereiro, a campanha utiliza tácticas de choque e condenação moral para dissuadir o consumo de drogas. especialistas na matéria consideram que a campanha põe em evidência o facto de o Governo continuar a não combater o consumo de droga através de políticas baseadas em provas.
A campanha, caracterizada por imagens dramáticas e uma forte mensagem de culpa, foi amplamente criticada pela sua abordagem estigmatizante. De acordo com uma coligação de organizações, incluindo os Médicos do Mundo PACA, a AIDES e o Grupo SOS Solidarités, a iniciativa reflecte um mal-entendido fundamental sobre a toxicodependência e os problemas relacionados com a droga.
Estas organizações consideram que o governo optou, mais uma vez, por investir no alarmismo e não em soluções de saúde pública, uma campanha que, em última análise, seria uma admissão flagrante do fracasso de 60 anos de proibição.
As armadilhas de uma abordagem baseada no medo
As associações sublinham que a culpa e a vergonha sempre foram ineficazes na redução do consumo de drogas, sendo que tais abordagens levam sobretudo as pessoas a esconderem-se ainda mais, tornando mais difícil a procura de ajuda.
Os consumidores de droga já são fortemente culpabilizados e estigmatizados pela ilegalidade das suas práticas, sem necessidade de os rotular como responsáveis pela violência e pelas mortes associadas ao tráfico de droga. Esta estigmatização adicional apenas os marginalizará ainda mais, sem ter qualquer impacto significativo nas taxas de consumo ou no comércio ilegal de drogas”, escreve o coletivo.
As organizações recordam que as mensagens baseadas no medo estão há muito desacreditadas no domínio da saúde pública. Embora as campanhas de choque tenham tido algum sucesso em áreas como a segurança rodoviária, falharam quando aplicadas à toxicodependência e alienam os mais necessitados de apoio, afastando-os dos serviços de prevenção e tratamento.
Uma via alternativa: Inspirar-se em modelos internacionais
Os signatários pedem uma revisão completa da política de drogas da França e exortam o governo a adotar abordagens que provaram ser bem sucedidas em outros países europeus.
“A Alemanha, o Luxemburgo e Malta legalizaram a canábis. Desde 2001, Portugal descriminalizou o consumo de TODAS as drogas, com resultados particularmente esclarecedores. Na Alemanha e nos Países Baixos, a posse para consumo pessoal deixou de ser considerada uma infração penal”, refere o comunicado.
Portugal, que descriminalizou o consumo de todas as drogas em 2001, obteve resultados notáveis, nomeadamente uma redução das overdoses e da criminalidade associada à droga.
O comunicado de imprensa salienta que existem estratégias eficazes de redução dos danos, como os centros de consumo supervisionado de droga. Estes locais, conhecidos como “Haltes Soins Addictions” em França, proporcionam um espaço seguro para o consumo de drogas sob supervisão médica, reduzindo o risco de overdose e facilitando o acesso aos cuidados de saúde. Embora existam mais de 100 centros deste tipo na Europa, a França tem apenas dois, o que reflecte a relutância do país em adotar políticas progressistas em matéria de droga.
A coligação de organizações apela a reformas urgentes, incluindo a descriminalização do consumo de drogas, a expansão a nível nacional dos locais de consumo supervisionado e um melhor acesso aos serviços de redução de danos.
“Apelamos ao governo para que efectue uma mudança completa de paradigma na política de drogas, na prevenção do consumo de drogas e no tratamento da dependência”, insistem.
Ao mesmo tempo, outras associações como a Fédération Addiction ou profissionais de saúde também se mostraram indignadas com esta campanha publicitária “contrária às recomendações preconizadas pelo Ministério da Saúde em termos de prevenção”.