Em junho passado, o Bloco de Esquerda (BE) e o PAN (Pessoas-Animais-Natureza) apresentaram dois projectos de lei separados para legalizar o uso recreativo da canábis. Os seus projectos foram debatidos na passada quinta-feira na Assembleia da República e votados no dia seguinte. Ambos foram rejeitados pelos deputados, mas abriram o debate sobre o uso recreativo da canábis em Portugal.
Os projectos de lei
Os projectos de lei têm diferenças mas partilham o objetivo comum de legalizar a compra, posse, consumo e auto-cultivo de cannabis para maiores de 18 anos. O projeto de lei do Bloco de Esquerda autoriza o comércio de cannabis em estabelecimentos especializados e licenciados pelas autoridades competentes. A venda de álcool e de produtos comestíveis seria proibida. O PAN, por seu lado, propõe a venda de canábis nas farmácias. Os preços e o teor de THC seriam determinados pelo governo. É também o caso do projeto de lei do PAN mas especifica que, no interesse da competitividade, devem ser “inferiores aos preços médios praticados no mercado negro”.
Políticas de embalagem neutras e restrições de comercialização são especificadas em ambos os projectos, assim como a proibição de consumo em determinados locais públicos. Ambos os textos autorizam o auto-cultivo: o do BE até 5 plantas e o do PAN até 6 plantas. Em ambos os casos, 50% das receitas fiscais destinam-se a programas de tratamento da toxicodependência, de prevenção e de luta contra o consumo de droga. O BE especifica que o restante será destinado a políticas sociais do Estado, como o serviço nacional de saúde.
O deputado do Bloco de Esquerda Moisés Ferreira tinha afirmado durante o debate que “um país responsável não deixa que os traficantes definam as regras de produção, acesso e consumo” e que o consumo ilegal é o “refúgio dos traficantes”. Na sua opinião, a legalização é uma “solução responsável” porque promove a segurança, a saúde e o consumo informado. Apesar destes argumentos e do apoio de alguns deputados de outros partidos, as duas iniciativas foram chumbadas. Alguns deputados consideraram que o debate foi mal feito e criticaram os dois partidos por o terem feito à pressa
Os resultados da votação
A votação teve lugar na sexta-feira. Os resultados foram inconclusivos. O Partido Social Democrata (PSD), o Partido Popular (CDS) e o Partido Comunista (PCP) votaram contra. O Partido Socialista teve resultados mistos: 25 deputados votaram a favor e 7 contra. Trata-se de um número relativamente reduzido entre os 86 deputados socialistas presentes na Assembleia da República. A maioria do partido absteve-se de votar por considerar que a questão merecia ser mais discutida. Na sua opinião, deveria ser abordada, em particular, a questão das estratégias de controlo do consumo.
O deputado socialista Alexandre Quintanilha avança com um princípio de “precaução”: “Gostaríamos, por isso, de ser mais cautelosos e ter tempo para acumular dados mais fiáveis que nos ajudem a avaliar o impacto destas medidas com maior confiança”. No entanto, esta visão não é partilhada por todos nas fileiras socialistas, com os militantes socialistas recentemente a apelarem à legalização da cannabis recreativa e a nova líder da Juventude Socialista (JS) a admitir na sexta-feira que pretende apresentar uma iniciativa legislativa para legalizar a cannabis recreativa e incluí-la no programa de governo.
O PSD votou contra o projeto porque se opõe ao auto-cultivo, mas alguns deputados são favoráveis à legalização do recreativo. O deputado social-democrata Ricardo Batista Leite, autor de uma moção apresentada há um ano ao congresso do PSD em que defendia a necessidade de legalizar o uso recreativo da canábis, desafiou o Bloco de Esquerda a retirar o seu projeto por falta de “debate técnico sério” e a trabalhá-lo em comissão, de forma a eliminar a possibilidade de cultivo por particulares. O PSD disse ainda que “não descarta a possibilidade de apresentar legislação adequada”.