Durante um debate parlamentar na passada quarta-feira, dois partidos políticos portugueses, o Bloco de Esquerda e a Iniciativa Liberal, apresentaram, cada um, propostas para legalizar a canábis para uso adulto.
Os dois projectos de lei serão enviados para a Comissão de Saúde por um período de 60 dias, durante o qual poderão ser realizadas audições públicas, apresentadas alterações e conduzidas negociações antes da votação decisiva no Parlamento. No entanto, não se espera que os dois textos passem à votação final, que deverá ter lugar antes do final da presente sessão legislativa, no final de julho.
Ir mais longe do que a atual descriminalização
Ambos os projectos de lei pretendem legalizar o consumo, o cultivo, a aquisição ou a posse de plantas, substâncias ou preparações de cannabis para uso pessoal. Tecnicamente, a canábis e os seus derivados seriam retirados das listas anexas ao quadro jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas.
Fabian Figueiredo, deputado do Bloco de Esquerda, recordou que “há 20 anos, o Parlamento teve a sabedoria de aprovar medidas corajosas e inovadoras para combater a toxicodependência, através da despenalização do consumo de drogas”, congratulando-se com o facto de esta solução adoptada em Portugal “estar agora a ser estudada e elogiada em todo o mundo por vários Estados e instituições internacionais”.
“Mas há 20 anos, não havia consenso na Assembleia da República. Não faltavam vozes a profetizar que nos íamos tornar num narco-Estado. Um deputado de direita, Paulo Portas, exclamou na altura ao jornal britânico The Times que iam aterrar aviões cheios de estudantes no Algarve ‘para fumar marijuana e coisas piores, sabendo que não os íamos prender'”, recorda, acrescentando que “sol, praia e droga”, segundo a profecia de Paulo Portas, “seria o novo lema do Turismo de Portugal”.
Para Fabian Figueiredo, apesar da mudança de paradigma, “a política de drogas em Portugal continua incompleta e com uma contradição estrutural por resolver”, uma vez que “os consumidores deixaram de ser objeto de um processo-crime, mas o seu consumo continua dependente de um mercado ilegal, um enorme negócio que continua entregue ao crime organizado”.
Para cada uma das propostas, o objetivo é regular o circuito de cultivo, produção e distribuição de cannabis e seus derivados, estabelecendo os limites e requisitos aplicáveis :
- as autorizações de cultivo, fabrico, comércio (por grosso e a retalho), importação e exportação da planta, substância, preparações e produtos de cannabis
- deveres de informação à Direção-Geral da Saúde sobre os ingredientes que compõem os produtos e a concentração de THC de cada um
- deveres de informação aplicáveis à rotulagem e embalagem dos produtos
- à publicidade e ao patrocínio
- ao preço e à fiscalidade
A canábis medicinal foi legalizada em 2018 em Portugal e regulamentada a partir de 2019.